Há quem alugue a pele para tatuar publicidade.



Há quem alugue a pele para tatuar publicidade. Dos pés à cabeça. Os preços podem variar entre os 5 mil e os 40 mil euros. São os ‘outdoors’ de carne e osso

Em Janeiro deste ano um norte-americano alugou a sua testa para publicidade. Andrew Fischer recebeu 113 ofertas e fechou o negócio por 25 mil euros. Depois de tatuar um logótipo não permanente, andou com ele nas ruas, durante trinta dias. Fischer, de 20 anos, disse, na altura, que ia usar o dinheiro para pagar a faculdade. Entrou para a história como o homem que fez disparar a moda dos ‘outdoors humanos’.

David não é americano. É português. Tem 18 anos, estuda no liceu Passos Manuel e frequenta os ambientes comuns aos jovens da sua idade. Tem pois o perfil certo para ‘outdoor’ humano. “A escola é um excelente meio de divulgação”, é assim que começa a vender a sua pele. O seu segundo trunfo é a altura – nada mais nada menos do que um-metro-e-noventa-e-dois. Não há nada como anunciar nas alturas.

Para algumas marcas ou produtos, David pode ser o homem certo no local certo. E isso nada tem de indigno. Afinal já artistas como Toulouse Lautrec ou Picasso, por exemplo, se dedicaram a fazer rótulos e logótipos. Foi aliás a propaganda que ajudou muitos deles a sobreviver com dignidade. Deu-lhes para pagar os mínimos gastos, muitas vezes um simples jantar. David espera, contudo, que dê para um pouco mais do que isso. “Sou de Castelo Branco”, revela. Para quem está em Lisboa a estudar “à pala dos pais”, esta pode ser uma oportunidade de aliviar as finanças paternais. “O dinheiro dava jeito, claro.”

O resto vinha por acréscimo. “Neste momento, estou num dilema muito grande. Não sei o que hei-de fazer depois de acabar o liceu. Quem sabe esta oportunidade não pode abrir-me portas e dar-me algumas ideias”, acrescenta. David até gosta de viajar, consegue de vez em quando vislumbrar um futuro qualquer relacionado com isso, pelo que andar por aí a passear e a fazer publicidade não é coisa que o incomode.

Quanto a alugar o corpo, isso pode ser um impulso, mas também pode ser algo tão natural como a sua sede. Tudo depende, obviamente, do tipo de oferta e contrato, com orçamento e durabilidade à mistura. Braços, costas ou mesmo testa, estão em cima da mesa para serem arrebatados por quem der mais. No seu caso, os preços podem variar entre os 10 mil e os 40 mil euros. “Tudo é negociável... Tudo ou quase tudo”, corrige. David faz as suas imposições. “Está totalmente fora de questão fazer publicidade a uma facção religiosa, clubística ou partidária. Isso podia dar origem a situações indesejáveis na rua.” É que mais vale prevenir do que remediar. Quanto a preferências não há porque as esconder: “Gostava particularmente de promover algo relacionado com o desporto”.

UMA QUESTÃO DE PELE

Reza a história que em todo o mundo antigo os vendedores ambulantes apregoavam pelas ruas, assim como os mercadores à porta das lojas, carregando cartazes de madeira com propaganda. Para o publicitário Edson Athaíde os “outdoores humanos” ou os “mupies de carne e osso”, são os descendentes directos dos chamados ‘homens-sanduiche’ ou ‘homens-hambúrguer’, “aqueles senhores que andavam na baixa com cartazes de madeira a anunciar determinados produtos”. Uma espécie de degeneração natural, fruto das liberdades modernas. Contas feitas saltaram os cartazes e, no caso dos “outdoors humanos”, o que estava por debaixo deles: a roupa.

Ainda recentemente, uma empresa canadiana começou a listar indivíduos disponíveis para vender a pele para colocação de propaganda. Em apenas um mês inscreveu 440 pessoas numa campanha intitulada “faça uma tatuagem e ainda ganhe por isso”.

Sempre nos habituámos a ver publicidade ao serviço do corpo. Este é o caso em que o corpo está ao serviço da publicidade. Isso é algo que não incomoda muito Joana, de 28 anos, uma designer gráfica que está disposta a tornar-se um “outdoor humano’. Pelo menos parcialmente. “Hoje em dia há tantas outras coisas eticamente reprováveis”, diz. “Acho ridículo as pessoas alegarem questões morais neste caso quando nós já fazemos publicidade diariamente sem ninguém nos pagar. Todos os dias vejo miúdos vestidos com t-shirts a fazer publicidade às marcas.” Que mal tem em inverter as coisas e ganhar dinheiro com isso? “O próprio Andy Warhol foi publicitário toda a vida”, lembra. Quanto ao facto de ser mulher, Joana desdramatiza a questão. “Hoje em dia os homens também já são muito utilizados como objecto de desejo.”

Joana trabalha no bar Purex, no Bairro Alto, e só isso pode ser meio caminho andado para uma campanha bem sucedida. “Estou num lugar de destaque e acabo por ser a pessoa que toda a gente vê quando entra no bar”, explica. “A minha cara, por exemplo, não está à venda, isso tem a ver com as minhas sensibilidades pessoais, mas estaria disposta a alugar os braços ou as costas, uma vez que no meu trabalho ando sempre de alças”, promove.

Mas afinal que tipo de empresa está interessada em alinhar numa “brincadeira” destas? Para Edson Athaíde “há marcas que estão ligadas a campanhas irreverentes como a Yorn que podem ter interesse em realizar uma campanha dessas”, diz. “Duvido, no entanto, que uma empresa grande ou uma marca de sucesso queira estar associada a uma coisa como esta. Acho mesmo que deve ser impossível porque tem a ver com publicidade interferindo na vida de alguém, no corpo de alguém. É uma coisa muito agressiva. Mas não quer dizer que a padaria da esquina não esteja interessada em fazê-lo”, acrescenta.

Joana tem as suas ideias: “Preferia ficar conotada com um produto com uma boa imagem”, sublinha. Mas tudo depende dos valores, claro. “Obviamente que tem que ser uma oferta que faça uma diferença na minha vida. Mas há que estabelecer limites e fazer uma distinção entre um decote e um braço, porque este não está conotado com nada de sexual”, refere.

CORPO EM LIQUIDAÇÃO

Muitas pessoas investem em obras de arte. Admiram-nas. Quadros, pinturas ou desenhos fazem parte da vida do homem desde sempre. Toda a casa que se preze tem pelo menos um bonito quadro emoldurado numa parede, seja pela simbologia, seja pela beleza. Publicidade é uma arte. E se o homem pudesse ser a sua moldura?

É com este espírito que Catarina Silva, Miriam Castro e a sua irmã Ana decidiram aderir à ‘moda’ dos outdoors humanos. “Há japoneses que compram peles humanas com tatuagens que gostam. Pagam em vida aos portadores para quando estes morrerem deixarem o pedaço de pele tatuado. Depois fazem quadros com eles”, refere Miriam, 27 anos, aluna do Arco, da área de joalharia.

As três amigas têm em comum o amor pela arte e a compreensão de que um dos fundamentos bases da publicidade é o choque. Por outras palavras ninguém se senta diante do televisor, abre um jornal ou anda na rua à procura de ver publicidade. Qualquer anúncio tem de ter força suficiente para chamar e prender a atenção. “O mundo só repara em nós se o chocarmos”, lembra Eduardo Marques, copywriter da Brandia. “Claro que se uma mulher colocar um logótipo nos seios e os mostrar em público, o impacto será indiscutível.”

Catarina, Miriam e Ana não contam chocar tanto, mas salvaguardam que, nos seus casos, até o aluguer do colo é discutível. “As pessoas são capazes de dizer que somos umas vendidas. Mas se as chocarmos estamos no fundo a captar a sua atenção que é o que pretendemos”, lembra Catarina Silva, estudante, 23 anos. “Não estamos a fazer nada de ilegal. Eu já tenho tatuagens de que gosto, porque é que não hei-de ser paga para as fazer?”, acrescenta Miriam. Moralmente reprovável ou não, o facto é que “desde a Idade Média, nenhum preconceito moral ou mesmo a religião teve força suficiente para vencer uma mercadoria”, escreveu o publicitário brasileiro Celso Japiasu num texto intitulado ‘O corpo humano em liquidação’.

Com a aproximação da Primavera e do Verão e com a natural redução do tamanho das roupas, os “outdoors humanos” entram no seu período mais fértil. Dos pés à testa, tudo é alugável, negociável e temporário, claro. Os preços variam entre 5 mil e os 40 mil euros. E o negócio promete vir a dar que falar. É que, segundo Eduardo Marques, “a procura de meios alternativos para veicular mensagens de comunicação é uma constante. Os chamados media tradicionais como TV, imprensa ou ‘muppies’ estão saturados. É natural que haja uma tendência para este tipo de situações”.

Porque a necessidade faz o engenho, no tempo que levámos a escrever este artigo soubemos que um indivíduo americano, motivado pelo anúncio de Fletcher, não perdeu tempo e já lançou a leilão um “bloqueador de anúncios de testa”, imagine-se, dirigido a pessoas que estão “cansadas de ver anúncios por todos os lados”. O bloqueador não é mais do que um par de óculos com abas. Alguém interessado?

PUBLICIDADE NAS VIRILHAS

Uma empresa alemã fabricante de preservativos lançou uma campanha original. Pagou a dezenas de prostitutas para tatuarem o seu logótipo nas virilhas, para que este funcionasse como uma espécie de ‘outdoor’ de alerta. O objectivo: na hora do serviço o cliente deve tomar consciência do que vai fazer e de como o vai fazer.

Todos lucram com esta iniciativa. As mulheres recebem para fazer a tatuagem, os homens são alertados para a necessidade do sexo seguro e a empresa, claro, factura pelas vendas dos preservativos.

PARA TODA A VIDA

Loucura maior do que alugar o corpo temporariamente para publicidade, é alugá-lo de forma vitalicia. Um jovem americano lembrou-se disso e ofereceu recentemente o seu braço direito para tatuar o logótipo ou o slogan de uma empresa para o resto da vida.

Para garantiar a qualidade do produto, o jovem foi mesmo ao ponto de assegurar que não bebe e que não consume drogas. Diz ele que, segundo os mais recentes exames médicos, a sua esperança de vida ronda os 80 anos. Um investimento para o futuro...

(fonte: Correio da Manhã)

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